"A life known by a few
And those who knew that shared
Their knowledge fewer cared
About what plants could do
For most felt it was mad to conceive
That plants thought, felt, and moved quite like we
(...)
It's that same old story again"
Simone Weil escreveu: "Nós que vemos o outro nas garras da aflição, nós somos obrigados, primeiro e acima de tudo, a prestar atenção". Foi ela mesma, aliás, quem publicou o livro "O Enraizamento" e esboçou uma explicação do que esse enraizamento se trata: "Um ser humano tem raiz por sua participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos de futuro".
A relação de Plantasia com o enraizamento é ambígua. Por um lado, uma música sobre e para plantas, um álbum que acompanhava a passagem de bastão do cuidado de um ser vivo - dos funcionários da boutique aos novos pais de planta. A disseminação do álbum coincidia necessariamente com a multiplicação de vidas e um mundo mais rico em seres vivos do reino vegetal. Um disco que, da felicidade da capa à leveza transmitida pela música, passando pelo extremo cuidado presente nos encartes, em tudo é orgânico. Ele parece isso: uma celebração das formas de vida, uma utopia de existência coletiva, um culto ao orgânico. Em uma das poucas avaliações positivas do álbum de Stevie Wonder, John Rockwell publicou na Times, à época do lançamento: "Ele conseguiu fazer um álbum que, em sua própria maneira idiossincrática, parece um oásis de calma e paz em meio ao alvoroço do restante da indústria de música pop". Plantasia é exatamente isso. Em uma rotina alienada e tecnológica, essas músicas nos aquecem (a descrição "warm music" na capa foi muito bem escolhida) e parecem um verdadeiro achado. O efeito acolhedor e afirmativo que o álbum pode exercer sobre nosso humor torna a sua escuta um dos maiores presentes que alguém pode dar a si mesmo. A imagem do enraizamento nunca foi tão apropriada: um álbum sobre plantas pode ser a chave para colocar de volta, ainda que por instantes, nossa raiz no mundo.
Ainda que Plantasia tenha tal essência orgânica, por outro lado é altamente tecnológico. Os sintetizadores Moog, tão sofisticados para o padrão da época e ainda de acesso muito restrito, eram uma parafernália gigante que mais lembrava uma estação de controle espacial. Rapidamente no álbum o ouvinte já percebe o novo mundo ao qual foi transportado. Um mundo que, apesar de verde, de arborizado, com plantas preenchendo os espaços de canteiros planejados para o reflorestamento, repletos de um verde vivo e claro, que vibra o dia fortemente ensolarado, é um mundo futurista. O álbum lembra música de videogame e isso não é exagero: é sabido que o álbum teve literal influência sobre o que viria a ser a trilha sonora de Zelda, sendo "Concerto for Philodendron & Pothos" a faixa que mais carrega essas semelhanças. Todo o resto do disco é atravessado por outros lampejos da estética 8-bit que iria se popularizar nos jogos da Nintendo. A paisagem sonora que permeia o álbum também não está distante de lembrar ficção científica e excursões aeroespaciais. Além de já ter explorado extensamente o tema de OVNIs em sua obra, vale dizer que Mort Garson foi o contratado para compor a trilha sonora de aterrissagem do Apollo 11 na Lua.
Mas nada captura melhor a dicotomia orgânico-sintético do que a faixa-título "Plantasia". A soberania dos sintetizadores dura exatos cinco segundos: mal o ouvinte começa a acomodar a obra na gaveta de música eletrônica, entra um assovio como a epítome das coisas orgânicas, e já se entende que estamos no campo dialético. A orquestra que se segue, com sopro, adiciona riqueza instrumental à música e pavimenta o caminho emocional para que o restante do álbum tenha liberdade para se desenvolver. A melhor faixa e obra central do disco, tanto emocional como musicalmente, é "Swingin' Spathiphyllums". A única, também, que incorpora percussão. Se estamos falando de um álbum que celebra a vida em harmonia, a amizade entre espécies, os dias ensolarados, a felicidade gratuita, o poder aquecedor da música e a aceitação de todas as teorias científicas, a paz que se alcança nessa faixa não tem precedentes no disco. Ela encapsula o ouvinte e o faz esquecer que já tenha existido qualquer problema. O acolhimento é infinito.

É simbólico que um dos álbuns que mais contribuiu para a história da música eletrônica tenha sido um com a temática orgânica. O contraste entre beeps e assovios não é tema novo na humanidade: na exata medida em que crescia o fracasso em promover a longevidade das formas de vida terrestres, avançava a exploração espacial. O orgânico sempre esteve ali associado ao sintético, negativamente, não como uma dupla que harmonicamente o complementa, mas como uma persistente lembrança do fracasso, um estigma que se perpetua como maldição. O que não quer dizer, no entanto, que não se possa manipular esses elementos e produzir beleza na arte a partir disso. Se a civilização nunca conseguiu que os dois lados da moeda estivessem harmonicamente em convívio, Mort Garson fez questão disso e conquistou algo grandioso: as ferramentas tecnológicas mais frias e inorgânicas foram o veículo para produzir um dos discos mais nutridos de quentura humana que já existiu. E, quando as plantas são o tema de uma obra que não só é interplanetária em sua forma como também foi inovadora na história da música terrestre, Garson consegue outro grande êxito: ele coloca a natureza mais uma vez como estágio base de um processo evolutivo.
A própria exploração espacial, nesse novo sentido, assume um contorno que já não é negativo. A corrida espacial pode se tornar uma busca por novos ares sem isso implicar que o chão, a terra, tenham se perdido. Abandonar o esconderijo e se lançar em uma nova procura sem abrir mão da certeza de um conforto como o que Plantasia pode oferecer. A exploração do desconhecido não significa necessariamente se desenraizar. Em outras galáxias pode-se encontrar o orgânico e ecossistemas favoráveis à vida, pode-se criar enfim novos mundos possíveis.
A volta que o álbum dá, entretanto, é comum a diversas outras obras que exploram uma dicotomia semelhante, em especial as de ficção científica, que culminam na conclusão de que o tecnológico foi meramente um dispositivo para apontar aquilo que, o tempo todo, estava aqui. Plantasia não pontifica que essa deve ser a única conclusão possível. Eles celebram o orgânico por via do digital, sim, mas isso é longe de ser algo inevitável. Tome-se as obras de Hiroshi Yoshimura, outro ícone da música ambiente, que celebra o orgânico por meio do orgânico, sem qualquer estética clean como o presente em Plantasia. O feito de Mort Garson, em termos de utilizar a distância para re-enxergar a proximidade, se dá muito mais no âmbito social do que no da forma: ele redireciona nosso olhar.
Plantasia é um álbum sobre olhar. Quem vai dizer que as plantas não crescem quando a nossa escuta do álbum é fotossíntese? Dessa vez, o facho de luz que se lança sobre elas não é o da luz natural do sol, mas dos holofotes que elas temporariamente recebem quando esses primos esquisitos do reino animal, tipicamente tão ocupados e ensimesmados, pausam por um tempo para percebê-las. O movimento de Simone Weil de ter abandonado condições de vida mínimas e levar uma vida miliante na mais absoluta penúria, tudo como forma de trazer luz ao que estava esquecido. Essa configuração se repete em diversas outras relações que o álbum estabelece. Entre nós e a planta, entre nós e a obra, entre nós e George Carver, entre a música ambiente e o mundo. A relação entre música e plantas já existe e independe de nós: dois terços dos jardineiros usam música para cultivar seus jardins. São santuários musicais totalmente ao largo da nossa existência. O que a música ambiente faz senão redirigir o nosso olhar para o mundo de uma outra forma? Esse fenômeno alcançado por Plantasia é sinédoque do que a música ambiente já faz por essência: atrair o olhar para o decorativo, o ignorado, o invisível. Ela é a catraca que impõe uma pausa quando, convictos, íamos apressados em direção ao destino. O que Stevie Wonder entendeu foi que, se é mais fácil nos envolvermos por narrativas de teorias botânicas complexas para desenvolver algum tipo de olhar para o outro, que assim seja então. Que seja dada a volta pela galáxia, que sejam utilizados sintetizadores enormes, músicas de videogame, ocultismo e OVNIs, mas que não se perca a visibilidade dos spathiphyllums e philodendron que estão por aí. E, se quisermos avançar mais ainda, que seja dada a volta pelo reino das plantas para que se enxergue quem está ainda mais perto. Pode ser necessário usar o mais avançado aparato tecnológico aeroespacial para conseguirmos, por fim, criar raízes.

Pulse (2001), dir. Kiyoshi Kurosawa
O que é cultivar alguma coisa? Dentre os diversos espelhamentos que mencionei que se formam em Plantasia, existe aquele entre nós e a obra. Podemos verdadeiramente apreciar o álbum, não sendo plantas? Afinal ela não foi feita para nós. É insólita, alienígena, eletrônica. Não nos dá centímetros de altura. Para muitos pode não ser o disco perfeito. Bom, se o álbum torna tantas relações possíveis, podemos torcer para que nos faça crescer. Ou, se não isso, que ao menos a música cresça no ouvinte. Talvez ela possa ser cultivada com sucesso, numa estufa ou sacada.
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